domingo, 25 de novembro de 2007

Ausência


"AUSÊNCIA (Vinícius de Moraes)

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar
os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres
eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé dos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
desta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha pele como nódoa do passado
Eu deixarei...tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos entrelaçarão outros dedos e tu
desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu foi eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei a minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento,
do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz ausente, a tua voz presente
a tua voz serenizada."

Vinícius de Moraes